Pesquisa de registros vitais alemães

Uma dúvida super comum é: onde estão os registros alemães? Afinal, nem sempre sabemos em qual arquivo podem estar os registros, mesmo sabendo a cidade, devido à natureza altamente descentralizada da Alemanha.

Primeiro, é preciso saber que a Alemanha como conhecemos hoje (um estado-nação unificado) só passa a existir em 1871. Antes de 1871, não existia a Alemanha como país (até existiu um reino chamado Alemanha, mas não era um país no sentido moderno do termo), e portanto haviam vários países no território do finado Império Alemão. O mais famoso dos estados alemães era a Prússia, mas havia Hannover, Oldemburgo, Baden, Württemberg, Bavária e muitos outros, cada lugar terá uma história diferente com relação aos registros.

REGISTRO CIVIL

Na Alemanha, como na maioria dos países europeus, a ideia do registro civil é uma imposição, feita por secularistas que tiraram das igrejas, a força, o poder de registrar de registrar as pessoas. A ideia de registro civil da Alemanha não pode ser separada do glorioso 14 de julho de 1789, quando os franceses tomam a Bastilha e começam um movimento revolucionário que exportaria ideias seculares e laicas para grande parte da Europa Ocidental.

Uma dessas ideias foi o registro civil. Parte da Alemanha que esteve sob domínio napoleônico e foi anexada à França começa o registro civil ainda sob domínio francês. As seguintes regiões foram anexados pela França, com início de registro civil:

Alsácia-Lorena, registro civil começa em 1792

Renânia (apenas na parte a oeste do Reno), 1798

Província de Rheinhessen, no Hesse (apenas a oeste do Reno), 1798

Palatinado Bávaro, 1798

Hesse-Nassau, 1803 (descontinuado em 1812)

Grão-Ducado de Berg, 1806 (descontinuado em 1815)

Reino da Westfália, 1807 (descontinuado em 1815)

Hamburgo, 1811 (descontinuado em 1815)

Bremen, 1811

Reino da Hannover (na realidade só algumas partes do dito reino), 1811 (descontinuado em 1815)

Hesse-Kassel, 1811 (descontinuado em 1815)

Lübeck, 1811 (descontinuado em 1815)

Oldemburgo, 1811 (descontinuado em 1815)

Como pode ser visto, o registro civil foi uma imposição estrangeira que nem sempre era bem vinda e em vários estados foi descontinuada.

No Ducado de Anhalt, o registro civil começa em 1850. Em Hamburgo, é restaurado em 1866. Na Prússia, o registro civil começa em outubro de 1874 e no resto dos reinos alemães, em janeiro de 1876.

Na lacuna do registro civil (e antes dele existir), devemos procurar registros religiosos.

Sabendo a vila de origem, é necessário primeiro saber qual era o ofício de registro civil responsável. Um dos sites que podemos ver isso é o MeyerGaz.

Sabendo qual o ofício de registro civil responsável, podemos saber como procurar os registros. Eles geralmente ficam no registro civil local.

Os registros de nascimento feitos até 110 anos, casamento até 80 anos e óbito até 30 anos, não são públicos no sentido mais estrito da palavra por causa de leis de privacidade e só podem ser solicitado no Standesamt municipal. Caso alguma cidade que tinha registro civil próprio for hoje “distrito” de algum município, temos que contatar a sede municipal.

Para registros mais antigos, devemos procurar o Statdarchiv local. Em alguns casos, o registro estará no Staatsarchiv regional. Para descobrir, basta perguntar – geralmente os órgãos respondem e-mails.

REGISTRO RELIGIOSO

A pesquisa por registros religiosos é mais complicada.

Primeiro, é necessário saber que várias vezes, em especial do século XIX em diante, eram feitas cópias dos livros de registro religioso, e essas cópias, quando eram feitas por ordem de autoridades civis, estarão geralmente em arquivos públicos (embora muitas autoridades fossem contra o registro civil, eles o viam como uma ferramenta útil e criaram sistema de duplo registro). Quando eram feitas por ordem de autoridades eclesiásticas, estarão geralmente em arquivos diocesanos.

O segundo ponto, é que há, obviamente, a necessidade de saber qual religião as pessoas praticavam. Não apenas se eram cristãs: mas se eram católicas ou protestantes, e caso protestantes, pode ser necessário saber qual ramo (luteranos ou calvinistas geralmente, embora haja outras minorias) do Protestantismo seguiam.

Fora as duplicatas, existem geralmente duas fontes de arquivos religiosos: paróquias e arquivos diocesanos. Em vários casos, há no site do arquivo diocesano (ou em outras fontes, basta pesquisar, as vezes é possível internet inventários de certas dioceses ou coisa parecidas, como este em Hesse) um inventário dos arquivos disponíveis. Quando não estiver lá, é ideal contatar a paróquia (também convém contatar o arquivo diocesano para saber do paradeiro dos registros, geralmente vão saber), que geralmente costuma ser mais difícil de contato que os arquivos diocesanos.

O serviço de emissão de certidões por arquivos diocesanos costuma ser pago, também geralmente cobrando por hora de pesquisa. No site do arquivo geralmente terá uma tabela de preços e condições de pesquisa. Muitos arquivos alemães nem começam a pesquisa que você pediu sem você concordar antes com as taxas!

Em alguns casos de minorias religiosas, pode ser que elas estejam registradas apenas no livro-cópia e não no original, afinal essas cópias eram um proto-registro civil. Por exemplo, nos registros evangélicos de Dornum, na Baixa Saxônia, sob guarda do Niedersächsischen Staatsarchiv, contém registros de óbito de 1847-48 de judeus. Não judeus conversos, mas judeus que praticava o judaísmo e tinham livros de registro próprios.

Livro de registro de óbitos judaicos de 1848 em Roggenstede

Em outros casos, não havia minoria religiosa porque valia o cujus regio eius religio, o princípio que a religião da terra era a religião do rei.

Uma ferramenta muito útil nesse sentido é o FamilySearch!

Ao procurar no catálogo do FamilySearch por Hambrücken, cidade que dentre outras qualidade carrega a distinta honraria de ser a terra dos meus ancestrais Heiler, podemos ver que há dois conjuntos de Church Records:

Primeiro, os registros originais, que começam em 1686 (provavelmente já existiam antes mas foram perdidos): Ao entrar no link, vemos em anotações o seguinte texto: Mikrofilm aufgenommen von Manuskripten im Erzbischöflichen Archiv Freiburg. Logo, podermos procurar esses registros no Erzbischöflichen Archiv Freiburg para emissão de certidão!

Há também os livros cópia, ou duplicados. Como podemos ver no texto em anotações, os registros estão sob guarda do Generallandesarchiv Karlsruhe, que deve ser contatado para emissão de certidão.

Em algumas regiões, realmente não há registros digitalizados e pode ser mais difícil localizar os registros.

REGISTROS FORA DO TERRITÓRIO DA ATUAL ALEMANHA

O que foi dito acima vale especialmente para regiões localizadas hoje dentro da Alemanha. Mas o Império Alemão era gigante e suas fronteiras iam bem mais longe, ocupando territórios de outros países. Para regiões atualmente na França, os registros civis (e religiosos!) estão sob guarda dos arquivos departamentais e estes devem ser contatados para emissão das certidões, cabendo aqui melhor explicação.

Para regiões atualmente na Polônia, via de regra, os registros civis estão em arquivos regionais (os famosos AP, ou Archiwum Panstowe). Os registros religiosos também (embora possa haver cópias em arquivos diocesanos, afinal lá também havia um sistema de duplo-registro), embora seja comum que vários livros de registro evangélicos estejam na Alemanha. O FamilySearch costuma ter, dependendo da região, registros digitalizados e a pessoa pode saber onde emitir a certidão da mesma maneira que vimos os registros de Hambrücken.


Nos territórios atualmente da Lituânia e Rússia, os registros civis costumam estar em arquivos locais e registros evangélicos em arquivos alemães (embora também haja em arquivos locais). Como sempre, usar em conjunto com o FamilySearch.

REGISTROS EM BERLIM

É uma ideia comum dizer que “todos os registros da Prússia” foram para Berlim. Não é verdade!

Uma minoria (bem pequena, diga-se de passagem) dos registros civis da finada Prússia Oriental (e de outros territórios prussianos fora da atual Alemanha, como a Pomerânia, Prússia Ocidental, Silésia, etc.) estão disponíveis no Landesarchiv Berlin. Aqui está o inventário dos registros disponíveis (é necessário saber o nome da localidade em alemão).

No Landesarchiv Berlin, também podemos encontrar registros das colônias alemãs na África, Ásia e Oceania e das regiões que foram brevemente ocupadas pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Essas séries de registros costumam ter lacunas grandes.

EZAB

Também é necessário falar sobre o Evangelische Zentralarchiv in Berlin, o famoso EZAB (Arquivo central evangélico em Berlim). Ele contém muitos registros religiosos evangélicos de toda a Alemanha e dos territórios da Prússia que hoje são Prússia Oriental (de outras regiões também!), listados aqui. Se alguém tem antepassados da Prússia Oriental, vale a pena conferir, porque não necessariamente os registros civis ainda existem. A Prússia Oriental e a Pomerânia (e em menor escala a Silésia) foram regiões que sofreram muito com a destruição na Segunda Guerra Mundial e muitos registros de interesse genealógico não existem mais.

E SE O ANTEPASSADO ERA CATÓLICO E NASCIDO FORA DA ATUAL ALEMANHA?

Aí devemos procurar, quase sempre, os arquivos regionais do atual país. Em grande parte do finado Império Alemão, o protestantismo era uma religião étnica que era praticada quase que exclusivamente por alemães étnicos (e várias vezes a recíproca é verdadeira). Praticamente não havia, por exemplo, na Pomerânia, poloneses étnicos de religião protestante, afinal o polonês é católico (não que não possam haver poloneses de outras religiões, inclusive existiram e ainda existem, mas o Catolicismo era central na identidade polonesa, inclusive servindo várias vezes de marcador étnico).

Na Prússia Oriental e Ocidental também serão raros alemães étnicos de religião católica, mas existem, também existindo alguns raros casos de poloneses se identificando como evangélicos. Curiosamente, na Silésia há vários católicos alemães étnicos.

Por esses motivos, houve interesse em especial da Alemanha em recuperar os livros de registro evangélicos, e são bem mais raros os livros de registro católicos/Ortodoxos/judeus do “exterior” em arquivos alemães, mas certamente não inexistentes.

Publicado por ghpedroso

Genealogista, acadêmico de História e pesquisador da região de Campos Novos-SC, com foco em pessoas de etnia ucraniana e polonesa

Um comentário em “Pesquisa de registros vitais alemães

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